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sexta-feira, 26 de junho de 2009

Lula, o inconcebível


Já fez mais do que todos os outros
Recebi este texto por email. De tão simples e direto e por desnudar os vários preconceitos de que é vítima o presidente Lula, resolvi partilhá-lo. Leiam, vale a pena.

O inconcebível Lula

FHC, o farol, o príncipe dos sociólogos, entende de sociologia tanto quanto o governador de São Paulo pelo PSDB, José Serra, entende de economia.

*Lula, que eles dizem que não entende de sociologia, levou 32 milhões de miseráveis e pobres à condição de consumidores.
*Lula, que eles dizem que não entende de economia, pagou as contas do entreguista FHC e ainda zerou a dívida com o FMI…
*Lula, que não entende de educação, pois boa parte da oposição e da mídia o classificam como analfabeto e burro, criou mais escolas e universidades que seus antecessores juntos e ainda criou o Pró-Uni onde filho de pobre vai à universidade…
*Lula, que eles dizem que não entende de finanças nem de contas públicas elevou o salário mínimo de 64 para mais de 200 dólares e não quebrou a Previdênciacomo dizia FHC…
*Lula, que eles dizem que não entende de psicologia, levantou o moral da nação e mantém o Brasil inteiro e forte em plena crise financeira mundial
*Lula, que eles dizem que não entende de engenharia, nem de mecânica, reabilitou o pró-alcool, acreditou no biodisel e levou o país à liderança mundial de combustíveis renováveis…
*Lula, que dizem que não entende de política , mudou os paradigmas mundiais e colocou o Brasil na liderança dos países emergentes, passou a ser respeitado e enterrou o G-8…
*Lula, que eles dizem que não entende de política externa nem de conciliação, pois foi sindicalista brucutu, mandou às favas a ALCA, olhou para os parceiros dosul e especialmente para o vizinhos da América Latina, onde exerce liderança absoluta sem ser imperialista, tem trânsito livre com Chaves, Fidel, Obama, Evo etc….
*Lula, ainda, colocou o primeiro negro no Supremo e uma mulher no cargo de “primeira-ministra” e vai fazê-la sua sucessora.
*Lula, que eles dizem que não entende de desenvolvimento, nunca ouviu falar de Keynes, criou o PAC, antes mesmo que o mundo inteiro dissesse que é hora do Estado investir e hoje (o PAC) é um amortecedor da crise…
*Lula, que eles dizem que não entende de crise, mandou abaixar o IPI e levou a indústria automobilística a bater recorde no trimestre…
*Lula, que eles chamam de analfabeto, não entende de português nem de outra língua, tem fluência entre os líderes mundiais, é respeitado como uma das pessoas mais poderosas e influentes no mundo atual…
Pois é, eles dizem Lula não entende nada de nada e mesmo assim é melhor que todos os outros presidentes que o Brasil já teve. Por Bohn Gass.

domingo, 14 de junho de 2009

A sociedade contemporânea à luz da utopia

A sociedade contemporânea à luz da utopia, na visão de intelectuais italianos http://oriundi.net/index.phpgunda-feira - 01/06/2009

Vita Fortunati, da Universidade de Bolonha, e Cosimo Quarta, da Universidade do Salento, além de dois outros colegas europeus, analisam o lugar do ideário da utopia no mundo contemporâneo. Fotos: Jornal da Unicamp
Os professores Cosimo Quarta (Universidade do Salento), Vita Fortunati (da Universidade de Bolonha), Jean-Michel Racault (Universidade da Réunion) e Peter Kuon (Universidade de Salzbourg) analisam, em artigo publicado no Jornal da Unicamp, o lugar do ideário da utopia no mundo contemporâneo e sua influência na produção cultural, apontando também quais são as obras relevantes que atualmente se enquadram no pensamento utópico.
Os quatro intelectuais, que fazem parte do conselho editorial da Revista Morus, editada no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), participarão do II Congresso Internacional de Estudos Utópicos, que ocorre na Unicamp entre os dias 7 e 10 de junho. O evento reunirá representantes de 11 países e de 36 universidades.
Vita Fortunati é professora de língua e literatura inglesas, é diretora do Centro Interdipartimentale di Ricerca sull'Utopia da Universidade de Bolonha e de Forme dell'Utopia, uma coleção de textos primários e críticos publicada pela editora Longo, de Ravena. Coordena, em nível nacional, o primeiro projeto europeu de Master (Erasmus Mundus Gemma) em Women's and Gender Studies e também um projeto europeu de redes temáticas sobre o tema da Interface entre Ciências Humanas e Ciências Exatas com o título Acume 2, Interfacing Sciences, Literature and Humanities.
Cosimo Quarta é professor de filosofia da história e ética ambiental na Universidade do Salento (Lecce, Itália), e co-fundador e diretor do Centro Interdipartamentale di Ricerca sull'Utopia. Suas pesquisas, desde o início dedicadas ao pensamento utópico, tratam dos problemas de história da utopia (Platão, Morus, Campanella, Andreae, Péguy) e das relações entre utopia e ideal, ideologia, mito, escatologia, milenarismo, futurologia, ciência, ficção científica, ecologia, revoluções, igualdade, paz, não-violência.
Jornal da Unicamp - A utopia ajuda a compreender o mundo contemporâneo?
Jean-Michel Racault - Poderíamos responder a esta pergunta com duas outras: O que se deve entender por mundo contemporâneo? O que é utopia?
A primeira pergunta é bastante simples. Se o "mundo contemporâneo" é entendido como aquele ao qual pertence certa obra utópica, seu autor e também seus leitores, a resposta é, certamente, sim. Parece que em todas as épocas a função principal dos textos utópicos foi a de entabular uma reflexão crítica sobre a realidade social na qual eles estão enraizados.
A República de Platão é uma resposta à crise das cidades gregas após a guerra do Peloponeso, no momento em que elas se encontram em meio a modelos antagonistas, Atenas e Esparta, a democracia e o autoritarismo, o comércio e a guerra. Quando publica sua Utopia em 1516, em plena conquista européia da América e às vésperas da Reforma, é evidente que Thomas More tenta pensar ao mesmo tempo os dois problemas que são colocados em sua época: um mundo brutalmente dilatado pelas Grandes Descobertas, e as relações do cristianismo e do paganismo em uma perspectiva religiosa renovada pelo humanismo evangélico.
Mas se a palavra "contemporâneo" designa o mundo onde nós vivemos hoje, em 2009, a questão exige que nos indaguemos se este vastíssimo corpus de textos que se estende por mais de dois milênios - grosso modo, da República de Platão à atual ficção científica - tem algo a nos ensinar ainda hoje. Sobre este ponto, a resposta depende muito da universalidade ou da variabilidade dos ideais e dos sistemas políticos: o que nos aparece hoje em dia como bom e justo seria também o ideal de dois mil anos atrás? A tipologia dos modelos de governo sobre a qual o pensamento político se apoiou durante séculos - timocracia, oligarquia, democracia, tirania - é passível de ser transposta ao mundo atual, apesar de todas as suas mutações?
Quanto à segunda interrogação - o que é a utopia? - ela é provavelmente insolúvel, pois esta palavra compreende duas noções diferentes. Se chamarmos de utopia o "sonho de um mundo melhor", ou seja, a aspiração a transformar a realidade existente para que se chegue a uma sociedade mais racional, mais justa, mais feliz… o objetivo parece ser agir sobre a realidade contemporânea ao invés de procurar compreendê-la, mesmo que uma coisa dependa da outra.
Mas ganharíamos em clareza se batizássemos de utopismo tudo o que se configure como programa de transformação radical da sociedade, reservando a palavra utopia para um gênero literário em que se apresenta ao leitor uma sociedade imaginária, apartada, em funcionamento, como se ela realmente existisse. Há, portanto, sem dúvida alguma, um deslocamento em relação ao mundo contemporâneo do autor e do leitor. No entanto, este deslocamento não se situa mais na dimensão do porvir, como é o caso no utopismo, mas na dimensão do alhures - por exemplo, numa ilha dos antípodas.
Neste caso, o objetivo primeiro não é transformar a sociedade de seu tempo, mas ajudar a compreendê-la, pensando-a em sua complexidade. Contrariamente à representação convencional do utopista como um sonhador irrealista ou um entusiasta ingênuo, os autores das utopias são mais irônicos do que militantes.
Vita Fortunati - Estudando a utopia no final do século XX e no início do século XXI não se pode prescindir de interrogar-se sobre sua função na história e na sociedade contemporânea. Tal questão é fundamental não apenas quando se elabora um projeto de pesquisa, mas também se escolhemos trabalhar com os temas da utopia e do utopismo em cursos destinados a estudantes universitários.
Penso que a potência da utopia reside na capacidade de suscitar um pensamento sobre os possíveis laterais da experiência. Trabalhar, nestes anos, tem tido o sentido de confrontar-me com estudiosos de disciplinas diversas, unidos por uma clara vontade de repensar tanto a capacidade de especulação e abstração que a utopia implica, quanto suas declinações históricas e suas valorações políticas e ideológicas. Ainda mais ambiciosa foi, e ainda é, a vontade de entender se é possível adotar a utopia como método, isto é, como instrumento de indagação do real, como método hermenêutico.
Nessa perspectiva, creio poder individuar finalidades comuns aos estudiosos do Centro, afirmando que indagar sobre a utopia e a antiutopia nestes anos significou atribuir um valor importante ao percurso heurístico que cada pensador utópico traça, ainda que com orientações extremamente diversas. A utopia pode também ser considerada como a procura de compensação para algo que está faltando e se busca tenazmente, tanto em termos sociais quanto pessoais. Como evidenciaram F.E. Manuel e F.P. Manuel em Utopian Thought in the Western World [1979], a relação que o utopista instaura com o tempo e com a história é complexa e intricada.
O utopista observa o real com um olhar escrutador e em seguida se distancia, ou mais precisamente, recua para assumir um comportamento crítico, desconstrutivo frente aos males e à sociedade contemporânea. A utopia - e aqui fica clara a ligação genealógica com a sátira - pressupõe uma recusa global do mundo: o utopista opera uma dissecção que o leva a efetuar uma censura. Enquanto o escritor satírico anatomiza o real para revelar seus defeitos, o utopista é capaz de superar a fase destruens pela criação do projeto: ele descompõe o real para recompô-lo segundo o próprio nomos.
Na utopia positiva se passa sempre de uma fase destruens a uma fase costruens. Observar as convenções e as instituições de um ponto de vista recrutado significa esvaziá-las dos significados que lhes são atribuídos pelo senso comum. Este procedimento passa de comportamento mental a, não apenas um expediente de técnica literária, mas também a um modo de deslegitimar cada aspecto político, social e religioso da sociedade onde vive o utopista.
Peter Kuon - Vivendo um progresso tecnológico e civilizatório irresistível, o mundo contemporâneo perdeu a ilusão de poder realizar uma sociedade ideal. A utopia programática, projeto a realizar, não tem mais futuro. Valeria mais lembrar-se dos inícios da utopia, em Thomas Morus, como diálogo controverso acerca da hipótese de uma sociedade perfeita. Esta hipótese é sempre atual, em todas as contemporaneidades, já que ela permite pensar, mediante uma imagem concreta, alternativas ao mundo existente. O questionamento do topos passa pelo ou-topos. Reformulando a questão: a utopia não ajuda a compreender o mundo contemporâneo, ela ajuda a pensar o "outro" do mundo contemporâneo.
Cosimo Quarta - Se a utopia, como defendo, é sobretudo um comportamento fundamental do espírito humano, isto é, uma característica peculiar da espécie homo, enquanto homem, desde suas primeiras origens, que se manifesta não apenas como sapiens, mas também como utopicus, ou seja, um "ser projetante", então não há dúvida que a utopia ajuda a compreender o mundo contemporâneo muito melhor do que outras categorias da história. No entanto, para utilizar corretamente a utopia como modelo de interpretação histórica - e portanto do mundo contemporâneo - é necessário preliminarmente redefinir seu conceito, depurando-o de todas as incrustações que ao longo dos séculos o deturparam e banalizaram.
Dito de outro modo, é preciso liberar-se da concepção corrente que entende a utopia como extravagância, quimera, castelo nos ares, cidade nas nuvens, sonho, miragem, ilusão e por aí vai. Mas é preciso também evitar definir a utopia como cidade ideal, estado perfeito, sociedade imaginária, pois são estas definições que não apreendem o verdadeiro sentido da utopia, tal como o havia originariamente entendido Thomas More que, como é sabido, foi quem cunhou este extraordinário neologismo, que hoje é conhecido e usado - infelizmente, com frequência despropositada - praticamente em todas as línguas do mundo.
No exastichon do "poeta Anemolius" - um dos escritos preliminares que acompanharam a obra de More logo nas primeiras edições - é explicado com clareza o sentido do termo "Utopia". Este "estado" - cujo território transformou-se de península em ilha - foi chamado pelos antigos ou-topia (não lugar), ou seja, a ilha que "não é", por causa do seu "isolamento", porque ninguém a conhecia nem a frequentava; mas, após a conquista de Utopus, ela foi transformada em um "ótimo estado", isto é, em uma sociedade que possuía instituições tão boas que não somente podiam competir com a República de Platão, mas chegavam a superá-la, já que, enquanto Platão havia delineado seu estado somente com palavras, e desta forma ele havia permanecido um projeto, a Utopia se apresenta, ao contrário, como uma sociedade viva, justa, plenamente realizada, com ótimas instituições, e por isso, justamente, o poeta Anemolius (ou seja, More) conclui que ela pode ser chamada de Eutopia, o "lugar do bem", a boa pólis, ou ainda o "ótimo estado", onde reinam a justiça, a liberdade, a cultura, o bem-estar. More está nos dizendo, portanto, que Utopia é o projeto da sociedade boa, justa, virtuosa e fraterna (eu-topia) que ainda não existe (ou-topia), mas está propensa a se realizar.
Viver em uma sociedade guiada pela justiça constitui uma das mais profundas aspirações da humanidade. Desde os primórdios da história - como muitos mitos nos revelam claramente - cada geração humana elaborou (de maneira implícita ou explícita) um projeto utópico próprio, esforçando-se para realizá-lo, mesmo se tal realização nunca é completa por causa dos obstáculos que se interpõem sempre que se passa da teoria à prática.
Mas o que uma geração não consegue realizar é retomado pelas gerações sucessivas que, por sua vez, elaboram seu projeto utópico, e assim acontecerá sempre, enquanto durarem o homem e a história. Portanto, haverá utopia enquanto houver história. Eis porque a utopia pode ser também definida como o motor da história. Compreende-se melhor, agora, à luz destas considerações, porque a esta primeira pergunta respondi que a utopia ajuda a compreender o nosso tempo muito melhor do que outros modelos interpretativos do processo histórico.
JU - Existe um revival da questão utópica? Se sim, quais são as razões deste fato?
Jean-Michel Racault - Aqui, mais uma vez, pode-se responder com um sim e um não.
Não, porque como gênero literário, a utopia sob sua forma que podemos qualificar de "clássica" cessou, ao que parece, de ser produtiva hoje, e compreende-se bem o porquê. Esta forma, surgida em 1516 junto com a palavra, com A Utopia de Thomas More, repousava sobre a ficção de uma viagem realizada - por um europeu quase sempre - a uma região afastada e desconhecida, frequentemente uma ilha do hemisfério sul. É o caso, em More, da ilha de Utopia - ela se chama assim - que o título apresenta como "recentemente descoberta" por um dos companheiros de Vespucci.
Mais tarde, nos séculos XVII e XVIII, as utopias se apoiarão com mais frequência em um mito científico, o do Grande Continente Austral Desconhecido, com seus arquipélagos satélites, que os cosmógrafos supõem indispensável ao equilíbrio do globo para compensar a massa emersa do hemisfério Norte. Mas este mito vai por água abaixo com as grandes expedições científicas de finais do século XVIII, particularmente com a segunda viagem do capitão Cook em 1772, que demonstra que as Terras Austrais, se existem, não têm nem as dimensões, nem o clima, nem, é lógico, as populações que se imaginava.
O fundamento da utopia é a alteridade. Ora, a partir dos anos 1880, não há mais nenhuma zona desconhecida no globo terrestre e a alteridade geográfica das localizações imaginárias não é mais aceitável do ponto de vista da verossimilhança. O modelo utópico tradicional, da ficção realista com descoberta fortuita de uma ilha desconhecida, não é mais realmente admissível, então o gênero deve adotar outras formas.
E talvez neste momento possamos responder positivamente e falar de revival da utopia por meio de diversas renovações formais cujas origens são, aliás, relativamente antigas. Por exemplo, a viagem no tempo - e não mais no espaço -, cujo primeiro exemplo é L'An 2440 de Louis-Sébastien Mercier [1771], mas que se desenvolverá sobretudo a partir do fim do século XIX - Looking Backwards, de Bellamy, 1888 ou News from Nowhere, de Morris, 1890.
E, sobretudo, é claro, a ficção científica, que não podemos reduzir a uma versão modernizada da antiga literatura utópica, mas que aborda frequentemente os mesmos problemas combinando as duas formas de deslocamento em relação ao real de referência, no espaço - os outros planetas - e no tempo - o futuro. Aqui também as origens são muito antigas: desde o século XVII Cyrano de Bergerac, em L'Autre Monde [1657] havia aplicado dados científicos - da recentíssima revolução astronômica galileana - para relatar uma viagem à Lua seguida de uma outra, ao Sol.
Vita Fortunati - Creio que existe um ressurgimento do pensamento utópico por uma série de motivos. O primeiro: após a crise do capitalismo e das ideologias, precisamos de modelos alternativos. Nestes anos, no nosso centro, temos afrontado o problema da identidade europeia e da interculturalidade em uma perspectiva utópica. Creio que, numa visão global, há a necessidade de um confronto entre as várias tradições do pensamento utópico, não apenas a ocidental, mas também a asiática e a africana.
Gostaria de assinalar que, nos últimos anos, os estudos utópicos, e certamente também as pesquisas promovidas pelo Centro di studi interpatimentali dell'Utopia de Bolonha, orientaram-se principalmente em duas vertentes.
A primeira está centrada em questões essencialmente teóricas e metodológicas: a interrogação sobre a definição de "utopia", "antiutopia" e "distopia", buscando a superação da dicotomia que nos últimos decênios havia gerado polêmicas, entre a representação clara, separada do melhor e do pior dos mundos possíveis.
A segunda se esforça para encontrar novas possibilidades de discussão da proposta utópica. Útil para este propósito foi o surgimento da definição de "utopia crítica". Com esta definição se pretende fazer referência a figurações de um alhures elaboradas por meio de um processo de desconstrução e de reconstrução, e de uma visão deformante e ideal, que se conciliam em um mundo "outro" não mais rigidamente codificado, mas aberto às negociações do sujeito.
Peter Kuon - Hesito em responder esta pergunta. Se sim, o revival nasce do Yes we can de Obama, promessa e esperança de reinventar uma sociedade e as relações internacionais. Veremos o que se seguirá!
Cosimo Quarta - Acredito que hoje, mais do que um revival, há uma urgente necessidade de utopia. É sabido que depois da queda do comunismo soviético, muitos autores, fazendo infelizmente uma terrível confusão entre utopia e distopia, se precipitaram declarando a "morte" ou o "fim" da utopia, enquanto é possível notar que ela está mais viva do que nunca.
A crise ambiental, primeiro, e a gravíssima crise econômica em nível mundial, agora, mostraram claramente, a todos, os limites do sistema capitalista a tal ponto que hoje por todo lado se invoca uma mudança radical da sociedade em escala planetária. Em particular, a valência utópica da ecologia está se revelando decisiva não apenas para o nosso tempo, mas também para as gerações futuras.
"O milênio se abriu com ferozes conflitos causados por nacionalismos contrapostos'
JU - A produção cultural contemporânea sente a influência das idéias utópicas, em sentido amplo?
Jean-Michel Racault - Sim, sem dúvida, mas com certa desconfiança, que se explica por vários fatores. Primeiramente, a crise das ideologias, principalmente daquelas que propõem receitas mágicas e explicações totalizantes. É o caso de certa vulgata marxista que foi comprometida pela queda do "comunismo real", e mais ainda pela confrontação entre a teoria e sua realização concreta, particularmente terrificante no caso do regime dos Khmers Vermelhos, que era de fato um tipo de utopia posta em prática.
Desconfiança, mais geralmente, face ao próprio movimento do pensamento utópico, percebido como normativo, autoritário, até totalitário: é nobre querer para todos o que é justo, mas não é perigoso impor isso, e esta tentação não é inerente à convicção de deter a verdade? De modo que uma grande parte das utopias modernas é, em realidade, composta de antiutopias cujo objetivo não é propor um modelo de transformação social, mas prevenir contra um processo inevitável, pois resultante da evolução sócio-tecnológica das civilizações.
Penso, certamente, em Brave New World de Huxley [1932] ou em 1984 de Orwell [1949], mas podemos nos perguntar se a antiutopia também não seria tão antiga quanto a utopia. Os grandes textos utópicos são ao mesmo tempo utopias e antiutopias; já era o caso, por exemplo, da sociedade equina imaginada por Swift na última parte das Gulliver's Travels [1726]. Esta sociedade é dada por perfeita, mas, refletindo bem sobre ela, percebemos que esta perfeição a torna inquietante, e de todo modo ela não pode ser um modelo, já que seus habitantes, ironicamente, são cavalos, e não homens...
Talvez haja um campo onde a utopia classicamente positiva permanece como tal hoje em dia. É aquele dos movimentos ditos "alternativos" que nunca conheceram realização enquanto estado de grande amplitude -diferentes do comunismo, por exemplo - e podem portanto, por meio do gênero utópico, exprimir a busca da alteridade em todo seu vigor. Há assim utopias ecologistas como Ecotopia, de Callenbach [1975], ou Voyage au pays de l'utopie rustique, de Mendras [1979]. A forma utópica se presta particularmente bem aqui a encarnar propostas concretas, organizar um debate, refutar objeções, e, sobretudo, a representar visualmente sob a forma de quadros descritivos os resultados assim obtidos pela aplicação das teses ecologistas.
Vita Fortunati - Utopias críticas (critical dystopias), utopias imperfeitas (flawed dystopias): estas novas definições nascidas do vivo debate atual entre estudiosos de utopia colocam em evidência o quanto há, na nossa contemporaneidade, de consciência histórica dos perigos implícitos da utopia entendida como modelo abstrato e totalizante. Percebe-se, portanto, a necessidade de se propor utopias "imperfeitas", onde seus habitantes se interrogam sobre o sentido ético do próprio agir, porque sabem que as utopias perfeitas do passado sempre foram construídas às custas de alguém que nelas não estava incluído ou estava incluído mediante um custo altíssimo de sofrimento e abuso.
O novo milênio se abriu com trágicos episódios de terrorismo - o primeiro da fila foi o 11 de setembro -, e com ferozes conflitos provocados por nacionalismos contrapostos. Estes e outros acontecimentos fariam pensar que estamos novamente em uma fase fria da utopia e do utopismo, mas a recente produção narrativa evidencia como, ao contrário, ainda há necessidade de utopia. Utopia entendida como capacidade de interrogar-se criticamente sobre a realidade que nos circunda, como educação voltada para a imaginação e para o desejo de mudá-la. Ler e estudar a utopia pode, portanto, tornar-se um estímulo para empenhar-se a agir concretamente sobre a realidade.
Na segunda metade do século XX, a utopia não é apenas um objeto de estudo amplamente investigado, como demonstram os numerosos trabalhos neste setor específico, mas torna-se também um modo de declarar o próprio posicionamento político. Deste ponto de vista, consequentemente, a utopia não é nunca um objeto neutro, porque nela há um alto investimento científico e pessoal.
Muitas utopias são fundadas sobre o pensamento de filósofos que renovaram o pensamento ocidental: E. Bloch, M. Foucault, G. Deleuze, F. Guattari, J. Baudrillard e, mais recentemente, F. Jameson, D. Harvey, R. Arundhati, e até o controverso Toni Negri, que indagaram o pensamento marxista para focalizar seus limites e para recontextualizá-lo em relação aos problemas da contemporaneidade, como o globalismo, as novas hegemonias e o pós-colonialismo.
Peter Kuon - Para repensar as "megalópoles" brasileiras, porque não reler Italo Calvino, Le città invisibili, uma reflexão utópica sobre as relações entre os espaços urbanos e seus habitantes?
Cosimo Quarta - Não há dúvida que o pensamento utópico tenha influenciado não apenas a produção cultural contemporânea - história, filosofia, literatura, política, economia, ciência, tecnologia etc.-, mas está penetrando, ainda que com dificuldade, na consciência dos povos.
JU - Quais obras atuais, realmente relevantes, estão dentro de um enquadramento utópico?
Jean-Michel Racault - Um título me vem à lembrança, talvez porque este título contenha em si um resumo de toda a tradição utópica desde o Renascimento: La Possibilité d'une île, romance de Michel Houellebecq publicado em 2005. Sua forma, no entanto, não tem nenhuma relação com a forma de uma utopia, nem, aparentemente, o conteúdo. Mas ele desenvolve, a partir da ficção - que, sem dúvida, logo não será mais uma ficção - da clonagem dos seres humanos, o que poderíamos chamar de uma utopia do pós-humano que abre para o gênero novas perspectivas.
Vita Fortunati - A escrita utópica de mulheres como Ursula le Guin, Joanna Russ, Marge Piercy, nas últimas décadas do século XX, deu voz a novos modelos utópicos esperáveis e desejáveis porque neles os verdadeiros valores da cultura feminina são exaltados: o pacifismo, a ecologia e a descentralização do poder. A utopia permite a visualização de situações insólitas e a experimentação de novos modelos de comportamento. A utopia apresenta soluções alternativas, porém nunca vistas como definitivas, mas sempre dinâmicas e fluidas, como horizontes em direção ao quais se tende.
Peter Kuon - A arte, enquanto recusa da reprodução mimética do mundo, é - e sempre tem sido - utópica.
Cosimo Quarta - É difícil indicar obras isoladas que se enquadrem no pensamento utópico, pois, como dizia antes, em todos os âmbitos do cognoscível humano está presente o pensamento utópico. Para permanecer no campo da utopia literária, basta pensar na vasta produção dos romances de ficção científica, ainda que neles prevaleça com frequência a distopia; é todavia oportuno lembrar que quando a distopia é usada como sinal de alarme para evitar avançar em direção a caminhos equivocados e arriscados, ela assume uma função altamente positiva para a humanidade.
Jean-Michel Racault é professor emérito na Universidade da Réunion (França) de literatura francesa e comparada. Suas pesquisas estão voltadas para as literaturas das viagens e relatos utópicos (séculos XVII e XVIII), a temática literária da insularidade e as obras de Bernardin de Saint-Pierre. Publicou 18 obras como autor ou editor científico e uma centena de artigos.
Peter Kuon é professor de filologia românica (literatura italiana e francesa) e diretor do centro universitário Sciences et Arts na Universidade de Salzbourg. Suas publicações tratam da utopia do Renascimento ao Iluminismo, da recepção criadora dos grandes clássicos, da literatura do holocausto e da literatura contemporânea em geral.
* Colaboraram: prof. Carlos Eduardo Berriel e Ana Cláudia R. Ribeiro (tradução)

segunda-feira, 8 de junho de 2009


Cuba na OEA. pra que?
Escrito por Atílio Boron
05-Jun-2009

Depois de 47 anos, a 39ª Assembléia Geral da OEA selou um acordo para revogar por unanimidade a exclusão de Cuba, aprovada em 1962. A resolução não impõe condições a Cuba, apesar de estabelecer mecanismos que deveriam ser postos em marcha no (improvável) caso de que Havana expresse seu desejo de retornar à OEA (como, ao final, não aceitou). A notícia dá espaço para diversas considerações.

Primeiro: a resolução é um sintoma das grandes mudanças que ocorreram no panorama sócio-político da América Latina e Caribe nos últimos anos e cujo signo distintivo é a persistente erosão da hegemonia norte-americana na região. A revogação daquela ignominiosa resolução imposta pela administração Kennedy revela a magnitude das transformações em curso e que a Casa Branca aceita rangendo os dentes.

Dessa forma se repara – se bem que tardia e parcialmente – uma decisão de manifesta imoralidade e que pesou como um intolerável fardo sobre a OEA e sobre os governos que, com seus votos, ou abstenções, facilitaram os planos do imperialismo norte-americano. Este, ao não mais poder derrotar militarmente a Revolução Cubana em Playa Girón, optou por erguer um ‘cordão sanitário’ para evitar que os fluidos emancipadores contagiassem os demais países da região. Intento que, por certo, fracassou espetacularmente.

Segundo: a debilitação de sua hegemonia não significa que os EUA renunciem a se apoderar, por outros meios, dos recursos e riquezas de nossos países ou a tratar de controlar nossos governos apelando a outros expedientes. Seria um erro imperdoável pensar que, devido a esta queda de sua capacidade de direcionamento político – e intelectual e moral ao mesmo tempo –, o imperialismo deporá suas armas e começará a se relacionar com os nossos países em pé de igualdade. Exatamente o contrário: ante o declínio de sua hegemonia, sua resposta foi nada menos que a reativação da 4ª. Frota, com o propósito de conseguir pela força o que no passado obtinha pela submissão ou cumplicidade dos governos da região. E Obama não emitiu o menor sinal de que pensa em mudar tal política.

Terceiro: Cuba, assim como os demais países de Nossa América, nada tem a fazer na OEA. Tal como assinalamos em inumeráveis oportunidades, essa instituição refletiu um momento especial na evolução do sistema interamericano: o da absoluta primazia dos Estados Unidos. Essa etapa foi superada e não tem volta atrás. A maturação da consciência política dos povos da região fez que mesmo os governos muito afinados com a Casa Branca não tivessem outra opção, a não ser enfrentar os Estados Unidos na condenação do bloqueio a Cuba e, em San Pedro Sula, revogar a decisão de 1962.

Diante de tal situação, a OEA está condenada por sua larga história de dócil instrumento do imperialismo: legitimou invasões, assassinatos políticos, magnicídios (alguns, como o de Orlando Letelier, perpetrados em Washington), golpes de Estado e campanhas de desestabilização de governos democráticos. Foi cega, surda e muda ante as atrocidades do "terrorismo de Estado" patrocinado pelos Estados Unidos e ante políticas criminosas como o Plano Condor. Quando, em maio de 2008, estourou a crise na Bolívia, o conflito foi rapidamente solucionado pelos países da América Latina sem que a OEA desempenhasse papel algum. Não fez falta. Não faz mais falta.

Quarto: o que realmente faz falta é fortalecer e tornar coerentes sem mais adiamentos os diversos projetos de integração dos países da América Latina e do Caribe, como a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas) ou a Unasul, iniciativas distintas, mas que expressam a realidade contemporânea da região. A OEA, em compensação, é uma instituição irremediavelmente anacrônica e por isso mesmo inútil; representa um mundo que não existe mais, exceto nos delírios dos saudosos da Guerra Fria, e por isso não pode oferecer nenhuma contribuição para o enfrentamento dos desafios do nosso tempo. Depois de ter revogado a resolução de 1962, o órgão prestaria um grande um grande serviço à humanidade se decidisse se dissolver.

Atílio Boron é doutor em Ciência Política pela Universidade de Harvard e professor titular de Teoria Política na UBA (Universidade de Buenos Aires). É autor do livro "Império e Imperialismo. Uma leitura crítica de Michael Hardt e Antonio Negri", publicado pela editora CLACSO em 2002.

Website: http://www.atilioboron.com/

Trazido por Gabriel Brito, jornalista.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A crise é estrutural, diz Mezsaros -

A Crise Estrutural do Capital
O colapso do sistema financeiro não é a causa, mas sim a manifestação de um impasse na economia mundial. É desta forma, em oposição às linhas de interpretação hegemônicas, que István Mészáros analisa o atual período histórico em sua nova obra, A crise estrutural do capital. No livro, o filósofo desmonta uma série de ilusões associadas aos acontecimentos recentes e afirma que a raízes da crise, na verdade, encontram-se no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo.
Crise dos subprime, crise especulativa, crise bancária, crise financeira – os nomes são muitos para a imensa expansão da aventura especulativa, que abalou o capital financeiro e, naturalmente os ramos produtivos das economias. Em resposta, governos e instituições globais jogam trilhões de dólares no


sistema, ao passo que os indicadores econômicos seguem sinalizando o aprofundamento da deterioração na chamada ‘economia real’.
Mészáros argumenta que é inócua a ação de governos e instituições globais que inundam a economia com trilhões e clamam pelo retorno da “confiança”. A partir de uma visão histórica e sistêmica sobre a crise do capital, o autor mostra que esta crise nada tem de nova. Pelo contrário, é endêmica, cumulativa, crônica e permanente; e suas manifestações são o desemprego estrutural, a destruição ambiental e as guerras permanentes.
Com orelha de Samir Amin e apresentação de Ricardo Antunes, A crise estrutural do capital retoma, assim, as contundentes críticas propostas por Mészáros, ao passo que muitas de suas perspectivas são confirmadas na trajetória descendente da economia global e pelos excessos no sistema financeiro internacional. O autor reafirma, assim, que vivemos uma crise estrutural cada vez mais profunda, cuja superação está além da quantia de zeros destinadas para tapar o buraco do endividamento global.
Com isso, Mészáros evidencia as falhas em tentativas de cunho socialdemocrata, keynesiano ou desenvolvimentista. Para o autor, a crise em desenvolvimento coloca no horizonte a relevância do marxismo e do desafio coletivo para a construção de uma maneira distinta de produzir e viver.
Trechos da obraA grande crise econômica mundial de 1929–1933 se parece com "uma festa no salão de chá do vigário" em comparação com a crise na qual estamos realmente entrando. A crise estrutural do sistema do capital como um todo – a qual estamos experimentando nos dias de hoje em uma escala de época – está destinada a piorar consideravelmente. Vai se tornar à certa altura muito mais profunda, no sentido de invadir não apenas o mundo das finanças globais mais ou menos parasitárias, mas também todos os domínios da nossa vida social, econômica e cultural.
Pela primeira vez na história, o capitalismo confronta-se globalmente com seus próprios problemas, que não podem ser “adiados” por muito mais tempo nem, tampouco, transferidos para o plano militar a fim de serem “exportados” como guerra generalizada.
Com efeito, não há como antes nenhum indício sério do ansiosamente antecipado “declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica”, apesar do aparecimento de numerosos sintomas de crise no sistema global. As contradições que pudemos identificar dizem respeito ao conjunto interdependente do sistema do capital global no qual o capital norte-americano ocupa, mantém e, na verdade, continua a fortalecer sua posição dominante de todos os modos, paradoxalmente até mesmo por meio de suas práticas de imperialismo de cartão de crédito – à primeira vista bastante vulneráveis, embora, até o presente momento, implantadas com sucesso e sem muita oposição.
Sobre o autorNascido em 1930, na Hungria, com doze anos e meio Mészáros já trabalhava como operário em uma fábrica de aviões de carga, tendo que mentir a idade em quatro anos para isso. Graduou-se em Filosofia na Universidade de Budapeste, onde foi assistente de Georg Lukács no Instituto de Estética. Deixou o Leste Europeu após o levante de outubro de 1956 e exilou-se na Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim; posteriormente ministrou aulas nas universidades de Londres (Inglaterra), St. Andrews (Escócia) e Sussex (Inglaterra), além de na Universidade Autônoma do México e na Universidade de York (Canadá). Ao retornar à Universidade de Sussex, em 1991, recebeu o título de Professor Emérito de Filosofia. É reconhecido como um dos principais intelectuais marxistas contemporâneos. Autor de obras como Para além do capital (Boitempo, 2002), A educação para além do capital (Boitempo, 2005) e O desafio e o fardo do tempo histórico (Boitempo, 2007), entre outros.
Ficha técnica
Título: A crise estrutural do capital
Título Original: Capital's unfolding systemic crisis
Autor: István Mészáros
Prefácio: Ricardo Antunes
Tradutor: Francisco Raul Cornejo
Páginas: 136
Ano de publicação: 2009
ISBN: 978-85-7559-135-2
Editora: BOITEMPO





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