sexta-feira, 15 de maio de 2009
Em defesa do financiamento público de campanha
O cidadão que observa com senso crítico os acontecimentos da política sabe que o financiamento de campanhas, no formato atual, é fator incontrolável de corrupção. A enorme fieira de grandes escândalos das últimas décadas se origina, sem sombra de dúvidas, na lógica do financiamento eleitoral privado. Provas? Basta puxar pela memória, em qualquer dos casos, para dar de cara com as figuras tristemente famosas dos tesoureiros de campanha: Delúbios, Valérios, PCs Farias e afins.
Por conta de tais antecedentes, esse mesmo cidadão tem razões de sobra para se espantar com o que leu nos jornais da semana. No momento em que se anuncia a entrada na pauta de votação do Congresso Nacional de uma proposta de mudança no financiamento de campanha, os dois maiores jornais de circulação nacional (Folha de S. Paulo e O Globo) abriram editoriais defendendo a manutenção do formato atual. Estranhíssima defesa, ancorada em argumentos fracos e ênfase demasiada. Difícil entender, inevitável desconfiar, impossível concordar com tal suspeitosa feição.
As campanhas eleitorais no Brasil estão entre as mais caras do mundo. E cada eleição é mais cara do que a anterior do mesmo gênero. Um custo altíssimo que, depois de passear por empreiteiros, banqueiros, "petequeiros" e tesoureiros, termina por sangrar o erário público. Basta seguir o dinheiro para saber quem, no final, paga a conta. O doador só é generoso porque mama em dobro nas tetas do Tesouro.
Além de caras, as campanhas se organizam de sorte a tornar impossível a fiscalização. Há milhares de candidaturas individuais, que arrecadam e gastam. Um caos que ninguém controla. A Justiça Eleitoral só acompanha, e mal fiscaliza, os gastos declarados do "caixa um". O caixa "um e meio", a chamada doação oculta que se avoluma a cada pleito, torna ainda mais opaco o processo e mais difícil a fiscalização. Do caixa dois, então, nem se fala: só quando estoura escândalo dos grossos é que se vê o tamanho do prejuízo.
Embora precários e parciais, por se limitar ao declarado, os dados da Justiça Eleitoral permitem definir outra peculiaridade brasileira. No Brasil, mais do que em qualquer outro país do mundo, o financiamento privado de campanha é fundamentalmente bancado por "pessoas jurídicas", ou seja, por corporações empresariais. A chamada contribuição cidadã, de pessoas físicas, tem um peso apenas residual. Resultado: o "mercado" do financiamento eleitoral é amplamente dominado por reduzidíssimo grupo de grandes corporações empresariais: banqueiros, empreiteiros, fornecedores e, mais recentemente, os novos barões do setor privatizado.
Por suposto, a manutenção do formato atual de financiamento interessa muito a este seleto e poderoso grupo, não por acaso também grande anunciante nos jornais. Mantido tal formato, ficam assegurados os vínculos de dependência entre as máquinas eleitorais acoitadas nos aparatos de governo, as elites políticas da ordem dominante e os interesses empresariais das grandes corporações. Ao mesmo tempo em que se estabelecem obstáculos para que outros interesses sociais, novos valores e projetos políticos possam emergir nos processos da disputa.
Aliás, neste sentido, as duas últimas eleições foram bastante reveladoras. A eleição presidencial foi a mais cara da história do Brasil e o vitorioso arrecadou de montão, até depois de passado o pleito. Os candidatos de opinião, de qualquer posição (esquerda, direita, centro), tiveram seus espaços reduzidos (votações menores e alguns, como Delfim Neto, não eleitos). Enquanto isso, por outro lado, ficou escancarada a formação de bancadas das grandes corporações no Parlamento. O mesmo diapasão operou no pleito municipal, tanto na eleição de vereadores quanto na de prefeitos. Nas capitais, e não apenas nelas, foram eleitos aqueles que arrecadaram mais e gastaram mais dinheiro nas campanhas. E quem ocupou o segundo lugar em votos também foi o segundo no quesito gastos, confirmando o poder do dinheiro e a progressiva mercantilização do processo eleitoral.
O financiamento público não é panacéia universal, nem elimina por mágica a corrupção eleitoral. Mas quebra o círculo vicioso atual e pode abrir espaços para corrigir distorções. Para tanto, é fundamental que ele seja exclusivo e defina punição rigorosa para os transgressores: candidatos, partidos e financiadores. Vai baratear as campanhas e facilitar o trabalho de fiscalização, na medida em que estabeleça teto de gastos para cada cargo em disputa e, ao mesmo tempo, estruture um rigoroso aparato de fiscalização sobre o uso do fundo público eleitoral.
O direito de votar, assegurado de maneira igualitária ao cidadão, só produzirá eficácia plena quando o "direito de ser votado" deixar de sofrer, como acontece agora, a interferência indevida do poder econômico. Esse é o sentido maior da luta em defesa do financiamento público de campanha.
Léo Lince é sociólogo.
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