Dois assuntos, dentre a avalanche de questões do dia a dia latino-americano, passaram despercebidos ou não suscitaram maiores comentários. Peço vênia para brevemente me referir a eles.
O primeiro foi a realização em Caracas, entre os dias 30 de julho e 04 de agosto, da VI Cimeira Social pela União da América Latina e o Caribe, convocada pelo Parlamento Latino-americano, que contou com a presença 27 países e uma boa representação dos órgãos de governo e organizações sociais da Venezuela. Na verdade, embora a chamada fosse para realizar uma reunião continental, representantes da Ásia, da África e alguns membros de organizações européias estiveram presentes em um evento plural e profundamente alentado pelo desejo de levantar propostas viáveis, de gerar caminhos a trilhar na procura da unidade em torno à preservação da vida com dignidade dos seres humanos e à autodeterminação dos povos.
A discussão teve como eixo promover um novo contrato social, nos aspectos institucionais, econômicos, culturais, éticos e ambientais, rejeitando a atual ordem criminal orientada desde os Estados Unidos, condenando guerra e os programas econômicos neoliberais, incentivando a inclusão social, o direito à vida e à paz. Lembre-se que uma importante discussão sobre esses temas também deve ser levada a cabo na OEA, diante da proposta da Venezuela de uma Carta Social para as Américas, cujos elementos centrais são a cooperação no marco do respeito pelas soberanias.
No Encontro teve destaque, especialmente, a discussão sobre o rol da imprensa, tendo em vista que a monopolização da informação passa a ser, cada vez com maior força, um instrumento destinado a outorgar suporte à antidemocracia, em conluio com esquemas de poder que se opõem a quaisquer tentativas de mudanças em favor dos povos no continente.
Obviamente, as conclusões do evento devem ser de obrigatória difusão entre as organizações populares. Importante fazê-las circular, para assim contribuir a um processo de recuperação dos direitos que foram e continuam ameaçados pela deslogicidade do mercado.
Evidentemente, houve também uma rejeição à prática guerrerista dos Estados Unidos, que outorgou a liberdade ao senhor Posada Carriles, conhecida e perigosa figura sobre cujas práticas terroristas valeria a pena tratar com mais calma, e uma condena às práticas ignominiosas em Guantánamo.
A segunda questão de importância também discutida na Cimeira de Venezuela foi o terrorismo de Estado e o narcotráfico. E dizemos ser a segunda porque, por sinal, na Colômbia, onde esse aspecto é de bastante relevância, a Sala Penal da Corte Suprema negou que os paramilitares tivessem o status de delinqüentes políticos.
Sobre esse ponto, a verdade é que, juridicamente falando, na Colômbia fizeram crise dois assuntos: a questão do desequilíbrio dos órgãos que exercem poder - Legislativo, Executivo e Judicial -, sempre em favor do Executivo, especialmente aduzindo razões de segurança nacional, o que lhe permite tomar decisões rápidas, ainda que de duvidosa sabedoria, pelo contrário, a maior parte das vezes decisões atrapalhadas ou fruto da pressão de forças inimigas da paz.
O segundo, a questão referente a quem deverá está subordinado a quem. Se o poder civil ao poder militar ou se exatamente o contrário. Pois bem, nesse ponto, o presidente Uribe, ao que parece, deu mais um passo, pois ele não parece estar subordinado apenas aos militares, mas aos paramilitares. Sem medir palavras, o primeiro mandatário empreendeu contra a Corte Suprema acusando-a de expressar uma ligeira tendência a favorecer da guerrilha quando se trata de qualificar sua ação.
Deseja o presidente que, quando se aborde pela Corte o fenômeno paramilitarista, se fale em sedição, ou seja, em um delito político. Oras, falando em carta branca, não é possível outorgar status de delinqüente político ao paramilitar, a quem não luta contra o Estado, mas para manter o Estado vigente, para sustentar uma ordem econômica e social injusta, que permanece na Colômbia, que provoca o deslocamento de milhares de pessoas, que castiga os colombianos com o desemprego e a violência.
A sedição como delito político existe a partir do momento em que o Estado se assume como um instrumento de classe. É dizer, quando o Estado age, com a sua força, contra os trabalhadores. Assim, a sedição e outras condutas, desde esse ponto de vista, constituem a reação de muitos contra os privilégios de poucos. Daí a sua natureza altruísta; trata-se da contestação a um regime político, regularmente excludente e ditatorial. Os grupos paramilitares atuam com o amparo do Estado, fazem parte da sua estratégia contra a reação popular.
A criminalidade não pode ser acobertada com fábulas jurídicas. E, entretanto, um professor, de nome Gustavo Moncayo, caminhou 1.000 kms até Bogotá. Peregrinou para colocar em xeque o presidente, em plena praça pública, exigindo que este aceda a uma troca de prisioneiros entre o Estado e as FARC, que mantêm seu filho seqüestrado após um ataque militar em 1997. E Uribe expressou, desde o alto da sua irreverência, que não há negociação possível.
Assim caminhamos na América: enquanto alguns se reúnem para promover a esperança, outros, ao amparo do seu poder, insistem em frustrar legítimas aspirações. É o tempo que nos toca viver. Alinhar-se em favor da paz e da justiça é um compromisso inadiável.
Pietro Lora Alarcón, advogado, é professor da PUC-SP. 22-Ago-2007
O primeiro foi a realização em Caracas, entre os dias 30 de julho e 04 de agosto, da VI Cimeira Social pela União da América Latina e o Caribe, convocada pelo Parlamento Latino-americano, que contou com a presença 27 países e uma boa representação dos órgãos de governo e organizações sociais da Venezuela. Na verdade, embora a chamada fosse para realizar uma reunião continental, representantes da Ásia, da África e alguns membros de organizações européias estiveram presentes em um evento plural e profundamente alentado pelo desejo de levantar propostas viáveis, de gerar caminhos a trilhar na procura da unidade em torno à preservação da vida com dignidade dos seres humanos e à autodeterminação dos povos.
A discussão teve como eixo promover um novo contrato social, nos aspectos institucionais, econômicos, culturais, éticos e ambientais, rejeitando a atual ordem criminal orientada desde os Estados Unidos, condenando guerra e os programas econômicos neoliberais, incentivando a inclusão social, o direito à vida e à paz. Lembre-se que uma importante discussão sobre esses temas também deve ser levada a cabo na OEA, diante da proposta da Venezuela de uma Carta Social para as Américas, cujos elementos centrais são a cooperação no marco do respeito pelas soberanias.
No Encontro teve destaque, especialmente, a discussão sobre o rol da imprensa, tendo em vista que a monopolização da informação passa a ser, cada vez com maior força, um instrumento destinado a outorgar suporte à antidemocracia, em conluio com esquemas de poder que se opõem a quaisquer tentativas de mudanças em favor dos povos no continente.
Obviamente, as conclusões do evento devem ser de obrigatória difusão entre as organizações populares. Importante fazê-las circular, para assim contribuir a um processo de recuperação dos direitos que foram e continuam ameaçados pela deslogicidade do mercado.
Evidentemente, houve também uma rejeição à prática guerrerista dos Estados Unidos, que outorgou a liberdade ao senhor Posada Carriles, conhecida e perigosa figura sobre cujas práticas terroristas valeria a pena tratar com mais calma, e uma condena às práticas ignominiosas em Guantánamo.
A segunda questão de importância também discutida na Cimeira de Venezuela foi o terrorismo de Estado e o narcotráfico. E dizemos ser a segunda porque, por sinal, na Colômbia, onde esse aspecto é de bastante relevância, a Sala Penal da Corte Suprema negou que os paramilitares tivessem o status de delinqüentes políticos.
Sobre esse ponto, a verdade é que, juridicamente falando, na Colômbia fizeram crise dois assuntos: a questão do desequilíbrio dos órgãos que exercem poder - Legislativo, Executivo e Judicial -, sempre em favor do Executivo, especialmente aduzindo razões de segurança nacional, o que lhe permite tomar decisões rápidas, ainda que de duvidosa sabedoria, pelo contrário, a maior parte das vezes decisões atrapalhadas ou fruto da pressão de forças inimigas da paz.
O segundo, a questão referente a quem deverá está subordinado a quem. Se o poder civil ao poder militar ou se exatamente o contrário. Pois bem, nesse ponto, o presidente Uribe, ao que parece, deu mais um passo, pois ele não parece estar subordinado apenas aos militares, mas aos paramilitares. Sem medir palavras, o primeiro mandatário empreendeu contra a Corte Suprema acusando-a de expressar uma ligeira tendência a favorecer da guerrilha quando se trata de qualificar sua ação.
Deseja o presidente que, quando se aborde pela Corte o fenômeno paramilitarista, se fale em sedição, ou seja, em um delito político. Oras, falando em carta branca, não é possível outorgar status de delinqüente político ao paramilitar, a quem não luta contra o Estado, mas para manter o Estado vigente, para sustentar uma ordem econômica e social injusta, que permanece na Colômbia, que provoca o deslocamento de milhares de pessoas, que castiga os colombianos com o desemprego e a violência.
A sedição como delito político existe a partir do momento em que o Estado se assume como um instrumento de classe. É dizer, quando o Estado age, com a sua força, contra os trabalhadores. Assim, a sedição e outras condutas, desde esse ponto de vista, constituem a reação de muitos contra os privilégios de poucos. Daí a sua natureza altruísta; trata-se da contestação a um regime político, regularmente excludente e ditatorial. Os grupos paramilitares atuam com o amparo do Estado, fazem parte da sua estratégia contra a reação popular.
A criminalidade não pode ser acobertada com fábulas jurídicas. E, entretanto, um professor, de nome Gustavo Moncayo, caminhou 1.000 kms até Bogotá. Peregrinou para colocar em xeque o presidente, em plena praça pública, exigindo que este aceda a uma troca de prisioneiros entre o Estado e as FARC, que mantêm seu filho seqüestrado após um ataque militar em 1997. E Uribe expressou, desde o alto da sua irreverência, que não há negociação possível.
Assim caminhamos na América: enquanto alguns se reúnem para promover a esperança, outros, ao amparo do seu poder, insistem em frustrar legítimas aspirações. É o tempo que nos toca viver. Alinhar-se em favor da paz e da justiça é um compromisso inadiável.
Pietro Lora Alarcón, advogado, é professor da PUC-SP. 22-Ago-2007
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